sexta-feira, 5 de julho de 2013

CONCEITOS QUE AJUDAM NA COMPREENSÃO DA PROPOSTA DO AUTOR


Por Eurídice Figueiredo

*ETNOCÍDIO

Este é um conceito vinculado ao de genocídio que descreve a destruição de traços culturais de uma etnia imposta por um grupo étnico, envolve linguicídio e fenômenos de aculturação, expondo a intolerância as diferenças e a busca de eliminação pela “força”. Ele tem servido para explicar a política de exclusão social dos negros na sociedade diante do benefício de embranquecimento.


*ÉTNICO

Termo que reconhece a homogeneidade cultural e linguística, que permite o compartilhamento de histórias e origens comuns, e designa tudo o que não é branco.


*ENTRE-LUGAR

Este é a criação de um espaço que permite a negociação de valores e de reconhecimentos, e permite um domínio performático de negociação, e produz figuras complexas de diferenças e identidade.


*HIBIDISMO

Conceito que designa as misturas que ocorrem nas sociedades multiculturais que preservam seus grupos étnicos, reconhece uma formação própria a partir de elementos do outro.


*OPACIDADE

É uma medida de impenetrabilidade que garante que não há necessidade de compreender um povo, uma cultura para trabalhar com ele. É um termo que resgata e revitaliza a palavra, o contador de histórias, é uma estratégia da oralidade.


*RIZOMA

Conceito que porta a realidade natural, que possui o melhor e o pior, nega a existência de cultura melhor que a outra, de cultura com uma única origem, e aceita a procura por múltiplas origens.


*SOCIEDADE MOSAÍCO

É uma conceituação de sociedades majoritária branca que detém o poder econômico e político, e que convive com culturas de imigrantes.


Por José Martí

*HIBRIDISMO

É um espaço que permite a coexistência de grupos socialmente e racialmente diferentes, sem que sobreposição de nenhum.


*RAÇA COSMICA

Esta é a criação de uma quinta raça definitiva, feita com o sangue de todos os povos.


Por Fulvio Caccia

*TRANSCULTURAÇÃO

Este termo conceitua uma via de passagem que une fenômenos de exílio e de imigração pela realização de um choque cultural, é uma força que funda a identidade.






sexta-feira, 28 de junho de 2013

La Notion de Lieu Chez Édouard Glissant












La Notion de Lieu Chez Édouard Glissant


"Le lieu s'agrandit de son centre irréductible, tout autant que de ses bordures incalculables."( Glissant, 1997,p.60)

La notion de "lieu" chez Glissant s'oppose à celle de territoire. Celui-ci présuppose l'idée de racine unique, de filiation, de communauté de sang. Cette idée de territoire implique aussi par ailleurs la possession de la terre, c'est-à-dire, le droit du sol, et cette possession de la terre est légitimée par les Mythes fondadeurs de communauté. Ces Mythes racontent l'enracinement des hommes sur "leur" terre et ce faisant transforment la relation que les membres de la communauté ont avec la terre où ils vivent: celle-ci devient pour eux le territoire, ou plutôt, "leur" territoire. Et à partir du moment où une communauté a "justifié" et acquis la légitimité sur "son" territoire, sa tendance sera de vouloir répandre ce qu'elle considère comme sa propre légitimité à l' "Autre". La "mission civilisatrice" de l'Occident, par exemple, a constitué l'une des formes perverses de cette légitimité: elle s' est occtroyé le droit d'apporter à l' "Autre" les valeurs de sa culture particulière, ou des cultures particulières européennes, érigées en valeurs universelles.

Quelques réflexions sur la poétique de la relation amoureuse chez Édouard Glissant











Quelques réflexions sur la poétique de la relation amoureuse chez Édouard Glissant


Selon l’intention avancée par le titre de ma communication, et pour me conformer à l’esprit de la « trace », je me bornerai à apporter au débat quelques annotations interprétatives me paraissant se dégager de la Poétique de la Relation, remarques qui – à ma connaissance – n’ont pas encore été mises à l’œuvre afin de creuser d’autres pistes dans l’ampleur du message d’Édouard Glissant.

Ces quelques réflexions vont être une relecture de certains propos rassemblés par notre auteur dans son Introduction à une Poétique du Divers, texte d’où je tirerai la plupart de mes citations, en les observant à la lumière des recherches portant sur la thématique amoureuse dans la pensée philosophico-littéraire occidentale, et notamment celles d’Octavio Paz dont l’essai Llama doble (La Flamme double) de 1993 constitue le bilan.

Je tâcherai de contourner tout « excès de théorie » – suivant les dépréciations formulées par Glissant lui-même dans l’avant-propos à son livre de 1996 –, en présentant une sorte de glose à quelques arguments majeurs de sa thèse sur la créolisation du monde, tels qu’ils sont exposés en synthèse dans le passage suivant, extrait de l’Introduction à une Poétique du Divers:



« Le monde se créolise, c’est-à-dire [...] les cultures du monde
mises en contact de manière foudroyante et absolument consciente
aujourd’hui les unes avec les autres se changent en s’échangeant à
travers des heurts irrémissibles, des guerres sans pitié mais aussi des
avancées de conscience et d’espoir qui permettent de dire – sans
qu’on soit utopiste, ou plutôt en acceptant de l’être – que les humanités d’aujourd’hui abandonnent difficilement quelque chose à quoi 
elles s’obstinaient depuis longtemps, à savoir que l’identité d’un être
n’est valable et reconnaissable que si elle est exclusive de l’identité
de tous les autres êtres possibles. Et c’est cette mutation douloureuse
de la pensée humaine que je voudrais dépister avec vous. »
(Glissant, p. 15)



TRADUÇÃO, CRIOULIZAÇÃO E SUAS POSSÍVEIS RELAÇÕES











TRADUÇÃO, CRIOULIZAÇÃO E SUAS POSSÍVEIS RELAÇÕES


Diego do Nascimento R. Flores

Mestrando em Estudos Literários/Universidade Federal do Espírito Santo



Resumo: Tradução e Crioulização: o que são e como se entrelaçam? As perguntas levantadas aqui serão examinadas, em um primeiro momento, seguindo o raciocínio que Édouard Glissant desenvolve nos dois primeiros capítulos de seu livro Introduction à une poétique du divers. Em seguida, e de posse do que foi anteriormente apresentado por Glissant, faremos um breve percurso pelos estudos de tradução contemporâneos no intuito de entender porque, para Glissant, a tradução é uma das mais importantes artes futuras e, especialmente, como ela se relaciona com o processo de crioulização. Por fim, esperamos que a tradução seja entendida não como mera reprodução conteudística, mas como algo que resulta na diferença e no imprevisível.






Palavras-chave: Tradução, Crioulização, Diferença.

A CRIOULIZAÇÃO EM GLISSANT E A PRESENÇA DE AFRICANISMOS NA LÍNGUA PORTUGUESA DO BRASIL









A CRIOULIZAÇÃO EM GLISSANT
E A PRESENÇA DE AFRICANISMOS
NA LÍNGUA PORTUGUESA DO BRASIL


Amanda Silva Alves(UFAC)
amandaalves1@gmail.com



Este trabalho surgiu com o objetivo fazer uma relação entre o livro Introdução a uma Poética da Diversidade (2005), de Édouard Glissant e minha pesquisa de mestrado, intitulada, provisoriamente, de “A Presença de Africanismos em Atlas Linguísticos Regionais Brasileiros”. Neste artigo, partindo da definição de crioulização proposta por Glissant, buscamos comparar as diversas teorias e hipóteses que tentaram explicar
a presença de africanismos no português falado no Brasil, adotadas por alguns filólogos e linguistas, a saber: Serafim da Silva Neto, Silvio Elia, Gregory Guy, John Holm e Alan Baxter, Fernando Tarallo, Gladstone Chaves de Melo e Yeda Pessoa de Castro.

Afetos e arquivos da Escravidão.




Afetos e arquivos da Escravidão


Eurídice Figueiredo


Ce qui rend la mémoire de l’esclavage si pleine et 
obsédante [...] c’est qu’elle n’existe pas. Comme on 
n’en sait rien, on en sait tout. Et tout semble avoir 
été dit car rien n’a été dit. Aller avec l’écriture dans 
cette mort de l’esclavage c’est y aller avec la vie, 
car toute écriture est d’abord vie. Mais il apparaît 
difficile au regard de la vie d’explorer de manière 
juste et exacte [...] le secret absolu de cette mort.
Patrick Chamoiseau*


Memória e arquivo


Patrick Chamoiseau (nascido na Martinica em 1953) empreende um trabalho de reescrita dos afetos e arquivos da escravidão no romance Un dimanche au cachot, dando continuidade a uma temática que já aparecia em obras precedentes como L’esclave vieil homme et le molosse (Paris: Gallimard, 1997) e de maneira mais parcial em Texaco (Paris: Gallimard, 1992) e Biblique des derniers gestes (2002). 

Na Martinica, antes de Chamoiseau, escritores como Aimé Césaire e, sobretudo, Edouard Glissant prospectaram o terreno da escravidão. Esta questão histórica é crucial porque, como afirma Glissant, não há propriamente mitos cosmogônicos que os exprimam; se existe uma origem para os antilhanos, esta estaria no ventre do navio negreiro. Glissant considera que, como a história foi rasurada, o escritor deve escavar a memória em busca de vestígios; como o tempo foi estabilizado numa não-história imposta, o escritor deve contribuir para restabelecer uma cronologia atormentada. Assim, ele conclui que a história enquanto consciência atuante e a história enquanto vivido não são assunto só para os historiadores.*Re-contar literariamente esta história sobredeterminada pela escravidão é criar ficções que deem conta de um certo ambiente, forçosamente imaginário, através da utilização de diferentes formas de arquivos a fim de reconstituir a memória cultural do país.

A ALTERIDADE POÉTICA NA ESPIRAL DE FRANKÉTIENNE E SUA ARTICULAÇÃO COM OUTRAS POÉTICAS DO CARIBE: LEZAMA LIMA E EDOUARD GLISSANT






A ALTERIDADE POÉTICA NA ESPIRAL DE FRANKÉTIENNE E SUA 
ARTICULAÇÃO COM OUTRAS POÉTICAS DO CARIBE: LEZAMA LIMA E
EDOUARD GLISSANT


Geraldo Pontes Jr


Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ Como entender a proposta do haitiano Frankétienne, na confluência de poéticas do Caribe que refletem a expressão americana? Esse autor polivalente (dramaturgo, músico, poeta, romancista e ensaísta), propõe uma escrita que procura integrar a experiência humana em sua
totalidade de perspectiva, ultrapassando a simples quebra de gêneros resultante da modernidade literária que aboliu a poética clássica. O aspecto cosmogônico de suas imagens poéticas faz conviver com a textualidade da narrativa a expressão do eu na paisagem das Américas, como “o dialeto dos ciclones” de uma obra que “fala às ilhas do Caribe a linguagem das tempestades” (Frankétienne, Mûr 15)1. Remetê-lo ao espectro da estética barroca, de L. Lima, e espiralada, de E. Glissant, na sua ambivalente força de particularizar e universalizar as trajetórias e historicidades americanas, buscando a emancipação do indivíduo pela remissão poética, esse o intuito que daria conta do seu diálogo com os demais autores caribenhos.

ÉDOUARD GLISSANT E JOÃO GUIMARÃES ROSA: ENCONTROS E DESENCONTROS








ÉDOUARD GLISSANT E JOÃO GUIMARÃES ROSA:
ENCONTROS E DESENCONTROS


Henrique de Toledo Groke (USP)


As práticas éticas e estéticas do martinicano Édouard Glissant e do brasileiro João Guimarães Rosa encontram-se porque flexibilizam e desdobram ensaio e ficção, um em direção ao que seriam características do outro. Glissant dota seus ensaios de uma proposta poética e filosófica que se recusa ao destrinchamento sistematizado e Guimarães Rosa desdobra Grande Sertão: Veredas (1956) de ficção em metaliteratura, e daí em reflexão sobre a relação humana com a realidade. Ambos quebram e mesmo superam expectativas de seus leitores ao desestabilizar seus gêneros “originais” e expandi-los simultaneamente.

A ideia de processo no conceito de crioulização: primeiras hipóteses.







A ideia de processo no conceito de crioulização: primeiras 
hipóteses


Prof. Ms. Alcione Corrêa Alves (UFPI)


O conceito de crioulização, na formulação proposta por Édouard Glissant em Introduction à une poétique du Divers (1996), tem oferecido uma base teórica frutífera a pesquisadores dedicados a compreender “os fluxos conjuntivos e disjuntivos das transferências culturais e seus resultados: novas formas e práticas culturais fractais entre fronteiras permeáveis” (WALTER, 2008). Uma fortuna crítica sobre as apropriações do conceito, ainda a ser empreendida em etapas futuras de pesquisa, permitiria perceber que trabalhos acadêmicos recentes de pesquisadores brasileiros optam amiúde por traduzir o conceito glissantiano de Étant por Sendo, com vistas a compreender o caráter processual inerente ao conceito de crioulização.













CONFIRAM O LINK!

A Poética da Relação - pré-publicação de Édouard Glissant





A ERRÂNCIA, O EXÍLIO

Do exílio à errância, a medida comum é a raiz, que em ambos os casos falta. É por aí que há que começar 
Gilles Deleuze e Félix Guattari criticaram os conceitos de raiz e, porventura, de enraizamento. A raiz é única, é uma origem que de tudo se apodera e que mata o que está à volta; opõem‑lhe o rizoma, que é uma raiz desmultiplicada, que se estende em rede pela terra ou no ar, sem que nenhuma origem intervenha como predador irremediável. O conceito de rizoma mantém, assim, a noção de enraizamento, mas recusa a ideia de uma raiz totalitária.

O pensamento do rizoma estaria na base daquilo a que chamo uma poética da Relação, segundo a qual toda a identidade se prolonga numa relação com o Outro.

Estes autores fazem um elogio do nomadismo, presumível libertador do ser, talvez por oposição à sedentariedade, cuja raiz intolerante fundaria a lei. Kant, no início da Crítica da razão pura, faz já corresponder os céticos aos nómadas, e diz também que de vez em quando «eles rompem com o laço social». Parece assim estabelecer uma correlação entre sedentarismo, verdade e sociedade, por um lado, e nomadismo, ceticismo e anarquismo, por outro. Esta aproximação a Kant sugere‑nos que o interesse do conceito de rizoma parece provir do seu anticonformismo, mas que daí não se poderia inferir uma função de subversão, uma capacidade do pensamento rizomático de abalar a ordem do mundo, pois assim regressaríamos à pretensão da ideologia que esta teoria pretende contestar.

Mas não estará o nómada sobredeterminado pelas suas condições de existência? E o nomadismo por uma obediência a contingências constrangedoras, e não por um desejo de liberdade? É o caso do nomadismo circular: muda de direção à medida que partes do território ficam esgotadas, a sua função é garantir, através dessa circularidade, a sobrevivência de um grupo. Nomadismo dos povos que se deslocam nas florestas, das comunidades arawaks que navegavam de ilha em ilha nas Caraíbas, dos contratados agrícolas que peregrinam de quinta em quinta, da gente do circo que atua de terra em terra, todos eles movidos por um movimento determinado em que nem a audácia nem a agressão intervêm.


O nomadismo circular é uma forma não intolerante da sedentariedade impossível.


Oponhamos‑lhe o nomadismo invasor, o dos hunos, por exemplo, ou o dos Conquistadores, que tem como objetivo conquistar terras através do extermínio dos seus ocupantes. Este nomadismo não é prudente nem circular, não mede os seus efeitos, é um salto absoluto em frente: um nomadismo em flecha. Mas os descendentes dos hunos, dos vândalos ou dos visigodos, tal como os descendentes dos Conquistadores, que impunham os seus clãs, acabaram por se ir estabilizando, fundindo‑se nas suas conquistas. O nomadismo em flecha é um desejo devastador de sedentarismo.





Edouard Glissant


Nem num caso nem noutro, o nomadismo circular ou o nomadismo em flecha, se manifesta a raiz. Aquilo que «agarra» o invasor, antes de ser cativado pela sua conquista, é o em‑frente; e aliás também não poderia dizer‑se que a sedentariedade forçada constituiria o verdadeiro desenraizamento do nómada circular. Do mesmo modo, o sofrimento do exílio não pesa nesses casos, nem o gosto pela errância se acentua. A relação com a terra é demasiado imediata, ou predadora para que a preocupação de identidade (essa reivindicação ou esse conhecimento de uma linhagem inscrita num território) a ela esteja ligada. A identidade adquirir‑se‑a quando as comunidades tiverem tentado, através do mito ou da palavra revelada, legitimar o seu direito a essa posse de um território. Afirmação que pode surgir muito antes da sua resolução efetiva.

Daí às múltiplas formas da legitimidade, frequentemente e longamente contestada, que em seguida traçarão as dimensões feridas ou apaziguadoras do exílio ou da errância.

Na Antiguidade ocidental, o homem no exílio não se sente inferiorizado nem desapossado, porque não se sente oprimido pela falta – em relação a uma nação, que para ele ainda não existe. Parece até que uma experiência da viagem e do exílio tenha sido então considerada necessária à realização do ser, a acreditar nas biografias de inúmeros pensadores gregos, como Platão e Aristóteles. Platão será um dos primeiros a tentar fundar a legitimidade, não ainda – ou já não – da comunidade num território, mas da Cidade na racionalidade das suas leis. Num momento em que Atenas, a sua cidade, estava já ameaçada por uma desregulação «final».


Nessa época, a identificação faz‑se com uma cultura – que é concebida como civilização – e não ainda com uma nação. O Ocidente pré‑cristão partilha esta maneira de ver e de sentir com a América pre‑colombiana, com a África dos grandes conquistadores e com a maior parte dos países da Ásia. Foi contra a generalização (a pulsão de um identitário universal) promovida pelo Império Romano que primeiro se exerceram as ações sucessivas do nomadismo em flecha e da sedentarização. O particular resiste então ao universal generalizador, para em breve engendrar, em círculos concêntricos (províncias, depois nações), os particularismos.

A ideia de civilização ajudará pouco a pouco a manter juntos esses contrários, que inicialmente só se identificam por oposição ao Outro.

Na época dos nomadismos invasores, a paixão de se definir adquire a feição da aventura pessoal. Ao longo dos seus périplos, os conquistadores constituem impérios que se desmoronam com a sua morte. As suas capitais deslocam‑se com eles. «Roma não está em Roma, está sempre onde eu estou.» Não é a raiz que importa, mas sim o movimento. O pensamento da errância não se destaca, travado pela realidade insana desse nomadismo demasiado funcional, cujos fins nunca teria podido conhecer. Centro e periferias equivalem‑se.

Os conquistadores são a raiz móvel e efémera dos seus povos.

É pois aí, no Ocidente, que o movimento se torna fixo e que as nações se pronunciam até se repercutirem no mundo. Essa fixação, esse enunciado e essa expansão requerem então que a ideia de raiz ganhe pouco a pouco esse sentido intolerante que Deleuze e Guattari certamente pretendiam recusar. Se regressamos a esse episódio ocidental, é precisamente porque ele proliferou pelo mundo. O modelo propagou‑se.

A maior parte das nações que se libertaram do colonialismo tenderam a formar‑se em torno da ideia de poderio, pulsão totalitária da raiz única, e não de uma relação fundadora com o Outro. O pensamento cultural de si era dual, opondo o cidadão ao bárbaro. Não houve nada mais absolutamente oposto ao pensamento da errância do que esse período da história das humanidades em que as nações ocidentais se constituíram e que depois se repercutiram no mundo.

Esse pensamento da errância, que ia a contracorrente da expansão nacionalista, transforma‑se então «em» aventuras muito pessoais – tal como o aparecimento das nações fora precedido da deriva dos construtores de impérios. A errância do trovador, ou a de Rimbaud, não é ainda a vivência densa (opaca) do mundo, mas é já o desejo apaixonado de contrariar a raiz. Ao mesmo tempo, a realidade do exílio é sentida como uma falta (temporária), sendo interessante notar que ela dirá, antes de mais, respeito à língua. No Ocidente, as nações constituíram‑se sobre o modo da intransigência linguística, e o exilado confessa de bom grado que aquilo que mais o afeta é a impossibilidade de comunicar na sua língua. A raiz é monolingue. Com o trovador, com Rimbaud, a errância é vocação, que apenas se diz pelo desvio. É o apelo, e ainda não a plenitude, da Relação.

Contudo, e isso é um imenso paradoxo, os livros fundadores da comunidade, o Antigo Testamento, aIlíada, a Odisseia, as Canções de Gesta, as Sagas, a Eneida ou as epopeias africanas eram livros de exílio e, muitas vezes, de errância. Essa literatura épica é espantosamente profética: diz a comunidade, mas através da relação do seu fracasso aparente ou, em todo o caso, da sua superação, e a errância, considerada como tentação (desejo de contrariar a raiz) e quase sempre sentida nos factos. Os livros coletivos do sagrado ou da historicidade contêm em si o exato contrário das suas turbulentas pretensões. Neles, a legitimidade da posse de um território, sempre mitigada pela relativização da própria noção de território. Livros do despertar para a consciência coletiva, eles introduzem assim a percentagem de mal‑estar e de angústia que permitem ao indivíduo reencontrar‑se, sempre que ele se torna um problema para si mesmo. A vitória dos gregos na Ilíadadepende de um embuste, Ulisses, ao regressar da sua Odisseia, é apenas reconhecido pelo seu cão, o David do Antigo Testamento é desonrado pelo adultério e pelo homicídio, a Canção de Rolando é a crónica de uma derrota, as personagens das Sagas estão marcadas pelo signo de uma fatalidade incontornável, e assim por diante.

Esses livros fundam algo de muito distinto de uma certeza absoluta, dogmática ou totalitária (independentemente da utilização religiosa que deles será feita): são livros de errância, para além da procura ou do triunfo do enraizamento que o movimento da História exige.

Alguns desses livros são dedicados à suprema errância, como o Livro dos mortos egípcio. Precisamente aquilo cuja função é consagrar a comunidade intransigente, já transige, matizando, portanto, o triunfo comunitário em errâncias reveladoras.

Em L’intention poétique e Le discours antillais (de que a presente obra constitui um eco reformulado, ou a repetição em espiral), abordei esta dimensão de uma literatura épica, interrogando‑me se nos dias de hoje não nos seriam ainda necessárias obras fundadoras que se baseassem numa semelhante dialética do desvio: afirmando, por exemplo, o rigor político, mas também o rizoma da relação múltipla com o Outro, e fundando as razões de viver de qualquer comunidade numa forma moderna do sagrado, que seria, em suma, uma poética da Relação.

Este movimento (entre outros, noutras regiões do mundo, que serão igualmente decisivos) levou, assim, do nomadismo primordial à sedentarização das nações ocidentais e depois à Descoberta e à Conquista que se cumpriram, até aos limites do místico, na Viagem.

Nesse percurso, a identidade, pelo menos no que toca a esses viajantes ocidentais que forneceram a massa dos descobridores e dos conquistadores, reforça‑se antes de mais de modo implícito («a minha raiz é a mais forte»), e em seguida é exportada explicitamente como valor («o ser vale pela sua raiz»), obrigando os povos visitados ou conquistados à longa e dolorosa busca de uma identidade que deverá sobretudo opor‑se às desnaturações provocadas pelo conquistador. Variante trágica da procura de identidade.

Durante um período histórico de mais de dois séculos, a identidade afirmada dos povos terá de ser conquistada contra os processos de identificação ou de aniquilamento desencadeados por esses invasores. Se no Ocidente a nação é antes de mais um «contrário», para os povos colonizados a identidade será, em primeiro lugar, um «oposto a», isto é, em princípio, uma limitação. O verdadeiro trabalho da descolonização terá sido superar esse limite.


A dualidade do pensamento de si (há o cidadão, e há o estrangeiro) repercute‑se na ideia que se tem do Outro (há o visitante e o visitado; aquele que parte e aquele que permanece; o conquistador e a sua conquista). O pensamento do Outro só deixará de ser dual no momento em que as diferenças forem reconhecidas. O pensamento do Outro «compreende», a partir de então, a multiplicidade, mas de uma maneira mecânica que cultiva ainda as subtis hierarquias do universal generalizante. Reconhecer as diferenças não obriga a envolver‑se na dialética da sua totalidade. No limite, «posso reconhecer a tua diferença e pensar que ela te prejudica.

Posso pensar que a minha força está na Viagem (faço a História) e que a tua diferença é imóvel e muda». Há um passo a dar antes de entrar verdadeiramente na dialética da totalidade. Parece aqui que, ao contrário da mecânica da Viagem, essa dialética é movida pelo pensamento da errância.

Se supusermos que a procura da totalidade, a partir desse contexto não universal das histórias do Ocidente, passou pelos seguintes estádios:

– pensamento do território e de si (ontológico, dual)

– pensamento da viagem e do outro (mecânico, múltiplo)

– pensamento da errância e da totalidade (relacional, dialético), teremos de convir que esse pensamento da errância se afasta implicitamente da desestruturação das compacticidades nacionais, há pouco triunfantes, e, simultaneamente, dos aparecimentos difíceis e incertos das novas formas de identidade que nos solicitam. Assim, o desenraizamento pode contribuir para a identidade e o exílio tornar‑se proveitoso, quando são vividos não como uma expansão de território (um nomadismo em flecha) mas como uma procura do Outro (por nomadismo circular). O imaginário da totalidade permite esses desvios, que afastam do totalitário.

A errância não provém de uma renúncia nem de uma frustração em relação a uma situação de origem que se tivesse deteriorado (desterritorializado) – não é um ato determinado de recusa, nem uma pulsão incontrolável de abandono. Por vezes, é abordando os problemas do Outro que nos encontramos a nós mesmos; as histórias contemporâneas fornecem‑nos alguns exemplos flagrantes disso: por exemplo, o trajeto de Frantz Fanon, da Martinica para a Argélia. É bem a imagem do rizoma, que nos faz reconhecer que a identidade não está só na raiz, mas também na Relação. É que o pensamento da errância é também pensamento do relativo, que é o substituído mas também o relatado. O pensamento da errância é uma poética, que subentende que a certo momento ela se diz.

O dito da errância é o da Relação.

Contrariamente ao nomadismo em flecha (descoberta ou conquista), contrariamente à situação de exílio, a errância comunica com a negação de todo o polo ou de toda a metrópole, estejam eles ligados ou não à ação conquistadora de um viajante. Não nos cansamos de repetir que o que este exportava em primeiro lugar era a sua língua. Por isso as línguas do Ocidente eram consideradas veiculares e faziam as vezes de metrópoles. Por oposição, o dito da Relação é multilingue. Além das imposições das potências económicas e das pressões culturais, ele opõe‑se em direito ao totalitarismo das intenções monolingues.

Poderá parecer, neste caso, que nos afastámos bastante dos sofrimentos e das preocupações daqueles que suportam a injustiça do mundo. A sua errância é, com efeito, imóvel. Não viveram o luxo do desenraizamento, melancólico e extrovertido. Não viajam. Mas para eles o saber da raiz passa agora a ser‑lhes dado pela intuição da Relação: é essa uma das constantes do nosso mundo. Viajar já não é o lugar de um poder, mas o momento de um prazer, se bem que privilegiado. A obsessão ontológica do conhecimento dá lugar à fruição de uma relação, de que o turismo é a forma elementar e, a maior parte das vezes, caricatural. Os que ficam sobressaltam‑se com essa paixão do mundo, comum a todos. Acontece‑lhes sofrer os tormentos do exílio interior.

Não falo daqueles que, no seu próprio país, suportam a opressão de um Outro, como é o caso dos negros da África do Sul. Porque neste caso a solução é visível, a resolução determinada; só a força se lhe opõe. Falo desse exílio interior que atinge os indivíduos, quando as soluções não são, ou não são ainda, no que toca às relações de uma comunidade com o seu meio, por ela globalmente consentidas. Essas soluções, esboçadas através de resoluções precárias, permanecem o apanágio de alguns, que assim são marginalizados.

O exílio interior é a viagem para fora dessa prisão. Introduz de forma imóvel e exacerbada o pensamento da errância. A maior parte das vezes, distrai‑se em compensações parciais de prazer, em que o indivíduo se consome. O exílio interior predispõe ao conforto das coisas, que não distrai da angústia.

Se o exílio pode pulverizar o sentido da identidade, o pensamento da errância, que é pensamento do relativo, quase sempre o reforça. Não é certo, pelo menos aos olhos de um observador, que a errância perseguida dos judeus tenha reforçado muito mais o seu sentido identitário do que a sua fixação em terra palestina. Os exílios dos judeus transformavam‑se em vocação de errância, por referência a uma terra ideal, cujo poder poderá ter sido delido pela terra concreta (o território) eleita e conquistada. Mas isto trata‑se tão‑só de conjeturas minhas. Porque se se pode comunicar no imaginário da errância, as experiências dos exílios são incomunicáveis.

O pensamento da errância não é nem apolítico nem antinómico de uma vontade de identidade que no fundo mais não é do que a procura de uma liberdade num determinado meio. Se ela contraria as intolerâncias territoriais, à predação da raiz única (que hoje torna tão difíceis os processos identitários), é porque, na poética da Relação, o errante, que já não é o viajante, nem o descobridor, nem o conquistador, procura conhecer a totalidade do mundo e sabe já que nunca conseguirá fazê‑lo – e que é aí que reside a beleza ameaçada do mundo.

O errante recusa o estatuto universal, generalizante, que reduzia o mundo a uma evidência transparente, atribuindo‑lhe um sentido e uma finalidade pressupostos. Mergulha nas opacidades da parte do mundo a que acede. A generalização é totalitária: elege, do mundo, um painel de ideias ou de factos que destaca e que tenta impor, fazendo viajar os modelos. O pensamento da errância concebe a totalidade, mas renuncia de bom grado à pretensão de a comandar ou de a possuir.

Os livros fundadores ensinam que a dimensão do sagrado nunca é mais do que o aprofundamento do mistério da raiz, matizado pelas variantes da errância. Na verdade, o pensamento da errância é postulação do sagrado que nunca se revela e que nunca se apaga. Lembremo‑nos que Platão, que conhecia o poder do Mito, desejara banir os poetas, impositores do obscuro, para longe da República. Desconfiara da palavra abissal. Não a encontraremos nós nos meandros imprevisíveis da Relação? Nada obriga a pensar que as humanidades não conseguirão transmutar, nesse pensamento da errância, as opacidades anteriormente enraizadoras do Mito e as claridades desmultiplicadas da filosofia política, conciliando Homero e Platão, Hegel e o griot africano.

Mas para isso haveria que adivinhar se, vindas de outras partes do mundo, e agindo ainda subterraneamente, outras suculências da Relação não poderão rasgar de súbito outras vias, contribuindo em breve para corrigir as exclusões etnocêntricas e simplificadoras que uma tal perspetiva terá podido suscitar.

Quanto ao domínio da literatura, duas criações contemporâneas fazem, quanto a mim, o jogo da errância e da Relação, sem que seja necessário que eu as isole num Panteão que elas recusariam.

A obra de certo modo teológica de William Faulkner. Tratar‑se‑ia aí de escavar as raízes de um lugar evidente, o sul dos Estados Unidos. Mas a raiz adquire a aparência de um rizoma, as certezas não estão fundadas, a relação é trágica. A disputa acerca da fonte, o enigma sagrado, mas agora inexprimível, do enraizamento, fazem desse universo de Faulkner um dos momentos palpitantes da moderna poética da Relação. Em tempos, lamentei que um tal universo não se tivesse expandido mais: nas Caraíbas, na América Latina. Mas essa reação provinha, porventura, do despeito inconsciente de quem se sentira excluído.


A obra errática de Saint‑John Perse em busca daquilo que se move, daquilo que tende ao absoluto. Obra que convida à totalidade – até à exaltação irredutível de um universal que se esgota, de tanto ser dito.






quinta-feira, 27 de junho de 2013

Site oficial





Este é o endereço de um site oficial que fala sobre a vida e as produções de Glissant.
Se deliciem com uma fantástica história de luta e reconhecimento.

Visões E Práticas Da Alteridade




Visões E Práticas Da Alteridade – Construção E Definição De Sujeito A Partir 
Do Conceito E Análise De Heterogeneidade Discursiva No Romance 
Le Quatrième Siècle, De Édouard Glissant 
Débora Maciel Cabral (PIBIC- UERJ)1





Resumo: O objetivo deste trabalho é descrever e analisar, enquanto projeto formal do romance, a heterogeneidade discursiva e a desconstrução do foco narrativo do romance Le quatrième siècle, do autor antilhano Édouard Glissant e sua contribuição na produção de efeitos de sentido à construção do sujeito e na definição da alteridade antilhana, com o olhar dos que foram inseridos na cultura francesa e na expressão francófona, originando-se de processos históricos de transculturação dos que foram . Para tal fim, partirse-á da análise descritiva do discurso dialógico conflituoso dos dois personagens centrais, papa Longoué e Mathieu e da apresentação discursiva e modalizada do narrador. É a partir destas produções de sentidos que ambos discursos permitem ao personagem Mathieu e ao leitor chegarem à uma concepção de alteridade e de sujeito que será desenvolvida da ideologia do pensamento créole sustentado por Glissant. Seguir-se-á os conceitos teóricos da AD – mais precisamente – Authier- Revuz, 1998; Maingueneau, 1990 /2000 tendo como base os pressupostos que, a partir do “conflito de vozes, projetarão diferentes identidades ou ‘outros’”, segundo Bakhtin e que “do defrontamento de discursos revela-se e comprova a alteridade como condição humana”, segundo Authier- Revuz. Outrossim, em fins conclusivos, o romance propõe uma disseminação ideológica do pensamento do autor, no que tange, o hibridismo cultural contra o pensamento hegemonico da cultura universal.
http://www.pgletras.uerj.br/linguistica/textos/livro02/LTAA02_a10.pdf

Colóquio Internacional sobre Glissant.





CONFIRAM !

Édouard Glissant




“Glissant revela-se em tantos momentos introduzidos por uma legenda que se inscreve na máquina de escrever sobre as ondas: o jazz, a crioulização, a vaidade das cadeias de filiação, os jardins crioulos, as marcas culturais, a complexidade do mundo e o seu imaginário colectivo, o terrorismo económico, etc.


Glissant estabelece a distinção entre a aparência e a realidade da democracia: os regimes democráticos ocidentais cometeram o maior acto anti-democrático: a colonização. E a África? Nunca se diz, como se faz com a América Latina, que possui as suas riquezas. Só se fala em ajudá-la a sair da situação em que se encontra! E continuam a explorá-la.


A mudança? Passa pela aceitação do Outro na sua opacidade que Gissant reivindica em alto e bom tom, através de uma extraordinária história sobre brócolos de que ele afirma não gostar sem saber porquê! O racista é aquele que recusa o que não compreende. A barbárie é impor ao outro a sua própria transparência.


As fronteiras? Deviam ser permeáveis para os migrantes, mas não deviam ser abolidas, para preservar o sabor de cada ambiente. Então, arquipélagos de pequenos países podiam voltar as costas ao poder e à força para viverem juntos a complexidade no grande tremor do mundo…”


EDOUARD GLISSANT: UN MONDE EN RELATION, Un film documentaire ce soir sur France Ô, 22h

EDOUARD GLISSANT: UN MONDE EN RELATION 


Un film documentaire réalisé par Manthia Diawara (51 min., 2010) 


Edouard Glissant fait partie de ces voix exceptionnelles qui illuminent ou bouleversent le travail et la pensée de ceux qui le croisent par le livre ou la poétique. Dans cette biographie intellectuelle, Manthia Diawara dresse le portrait original d’un homme, Edouard Glissant, et de son concept du Tout-Monde. Une voix qui marquera le XXIe siècle.
Un moment à partager en hommage à Edouard Glissant. Mettons en mouvement sa pensée :


“ Le moindre mouvement dans la complexité, une chanson, un poème, le tressaillement d’un peuple, exalte infiniment le tout et fait liaison avec le plus petit détail. La conscience s’élargit. L‘imaginaire s’étend. Alors cette conscience du Tout-monde demande a être déclarée, ou reconnue, en termes de politiques et de poétiques.”
Edouard Glissant / Patrick Chamoiseau


« L’intraitable beauté du monde. Adresse à Barack Obama »


Editions Galaade, 2009




Ainda e sempre Glissant: o “todo-mundo”



Não foi assim há tanto tempo atrás que pudemos ouvir o testemunho do carismático martiniquês Edouard Glissant (1928-2011) sobre música e crioulização a propósito do novo álbum “KREOL”, que o músico, escritor e conselheiro cultural cabo-verdianoMário Lúcio lançou também em Portugal.

Estavamos em Outubro de 2010 e na Fnac do Colombo passava um inesperado excerto do documentário homónimo realizado por Frédérique Menant, que acompanhou as gravações do álbum em sete países, seguindo a rota histórica da escravatura.

Glissant surgiu então, durante breves mas impressionantes momentos, em conversa sobre a importância das raízes da música e o modo como esta “deve correr o risco da diversidade”, reforçando através da repetição de ideias (tão estrategicamente eficaz) a sua constatação e defesa do processo de crioulização a partir da especificidade antilhense.

Deixamos agora de poder contar com a sua inquietude contagiante mas o seu legado está talvez mais vivo do que nunca, com todo o interesse que tem vindo a suscitar e tão crucial que é para pensar os dias que vivemos.

Poeta, filósofo e romancista, Edouard Glissant é já internacionalmente reconhecido como um pensador humanista fundamental no que toca aos temas das migrações, diversidade e mestiçagem, identidade e nação, tendo teorizado toda uma “poética da relação” que realça o processo de “crioulização” numa actualidade a que chamou, sintomaticamente, “Todo-Mundo” (“Tout-Monde”): uma cultura feita, cada vez mais, de muitos mundos, uma cultura inexoravelmente feita de culturas.



Vale a pena ler no Africultures um ótimo artigo publicado pelo jornalista e crítico de cinema Olivier Barlet por altura da estreia mundial do filme biográfico que lhe dedicou Manthia Diawara, em Julho do ano passado.


Aqui a homenagem já depois da sua morte, e desta vez escrita, pelo cineasta e escritor Diawara. E aqui encontram uma excelente súmula sobre a importância do legado deixado por Glissant através de Valérie Marin La Meslée.



Lúcia Marques no Próximo Futuro


Em poucas palavras, este foi Glissant


Édouard Glissant é um dos principais pensadores contemporâneos no universo da crioulização, da diversidade e da identidade cultural. Desenvolveu as teorias da Poética da Relação e de Todo-Mundo(Tout-Monde), nas quais o conceito de “relação” vem desconstruir a ideia de identidades fixas e unitárias, na defesa de uma nova dimensão da identidade na relação, um processo aberto interdependente, um sistema relacional que produz novas identidades, que acredita e valoriza a diferença e o direito à opacidade, sua e dos outros, reverso da mundialização uniformizante, um encontro onde despertamos o imaginário do mundo no outro.

O poeta é uma daquelas vozes iluminam ou perturbam o trabalho e o pensamento daqueles que o cruzam pelo livro ou pela poesia. 




O BARULHAMENTO DO MUNDO: Para além da tolerância




PARA ALÉM DA TOLERÂNCIA

INSTITUT FRANÇAIS DU PORTUGAL | 25 outubro | 19h00-23h00


Prosseguindo com o projeto editorial que integra o programa do AFRICA.CONT, publica-se agora o livro Poética da Relação de Édouard Glissant, inaugurando assim a nossa primeira incursão nos domínios da ensaística e das ciências sociais e humanas. O lançamento é acompanhado da estreia nacional de um filme documentário de Manthia Diawara - “Édouard Glissant, Um Mundo em Relação”, que co-financiamos; de um debate e de uma performance que o tomaram como ponto de partida.

Pretendemos assim chamar a atenção para uma obra e um autor muito pouco conhecidos entre nós, mas que têm um lugar cimeiro nos debates recentes, e nunca tão politicamente atuais, sobre o estudo crítico dos processos coloniais, dos seus efeitos e legados culturais nas sociedades e culturas colonizadas e colonizadoras, e sobre a interpenetrabilidade cultural que caracteriza o nosso mundo globalizado.

Ao procurarmos situá-lo, não podemos deixar de notar como as diferentes filiações nesse campo de estudos coincidem amplamente com as zonas de influência dos antigos, e resilientes, impérios coloniais – os mundos anglófono, francófono, hispanófono, e lusófono.

Apesar das suas proximidades, surgiram com diferentes designações: “estudos póscoloniais” dominantes, “crioulidade e crioulização”, “modernidade/colonialidade”, “mestiçagem”, e outras. Em qualquer dos casos se questionam se os respectivos pressupostos e desenvolvimentos têm um valor geral, ou se ficam circunscritos a particularismos históricos; com defensores de um ou outro ponto de vista. Mas curiosamente, os diálogos entre as diferentes correntes são inexistentes ou quase; e se os anglófonos partem exclusivamente das experiências coloniais e pós-coloniais anglosaxónicas, o mesmo pode ser observado nos restantes casos; na América hispânica e no Brasil os estudos das relações interculturais coincidem com os processos de construção e definição das respectivas identidades nacionais; os espaços da francofonia (negritude, crioulidade, etc), ao contrário dos outros casos, mantêm o seu centro de gravidade em França; e entre nós, vive-se privilegiadamente na paróquia lusófona.

No lugar das indiferenças mútuas, às vezes só relativamente indiferentes, parece-nos que seguir as pisadas de Glissant pode levar-nos por um caminho mais interessante e fecundo.

Se abordarmos o conjunto destas correntes como um arquipélago, seguindo o modelo de pensamento arquipelágico que propõe, será certamente possível reconhecer e proporcionar ligações litorais e de horizontes, sem que cada uma das ilhas abandone as suas especificidades, e idiossincrasias. Parafraseando Édouard Glissant, uma forma de pensamento mais intuitivo, mais frágil, exposto mas também disposto ao caos do mundo e aos seus imprevistos e desenvolvimentos.

Este livro abre a passagem para um arquipélago interpretativo cujos mares o Africa.Cont pretende continuar a navegar. www.edouardglissant.fr





O mesmo e o diverso





Por Édouard Glissant



Consideramos os avatares da história contemporânea como episódios desapercebidos de uma grande mudança civilizacional, que é passagem: do universo transcendental ao Mesmo, imposto de maneira fecunda pelo Ocidente, ao conjunto difratado do Diverso, conquistado de modo não menos fecundo pelos povos que conquistaram hoje seu direito à presença no mundo. O Mesmo, que não é uniforme nem estéril, pontua o esforço do espírito humano em direção a essa transcendência de um humanismo universal sublimando os particulares (nacionais). A relação dialética de oposição e de ultrapassagem compreendeu, na história ocidental, o nacional como obstáculo privilegiado, que era preciso conquistar ou vencer. Neste contexto, o indivíduo, considerado como veículo absoluto da transcendência, pôde afirmar de maneira subversiva seu direito a contestar o acidente particular embora nele se apoiando. Mas, para nutrir sua pretensão ao universal, o Mesmo requisitou (teve necessidade de) a carne do mundo. O outro é sua tentação. Não ainda o outro como projeto de acordo, mas o outro como matéria a sublimar. Os povos do mundo foram então presa da cobiça ocidental, antes de encontrarem o objeto das projeções afetivas ou sublimantes do Ocidente.

O Diverso, que não é o caótico nem o estéril, significa o esforço do espírito humano em direção a uma relação transversal, sem transcendência universalista. O Diverso tem necessidade da presença dos povos, não mais como objeto a sublimar, mas como projeto a por em relação. O Mesmo requer o Ser, o Diverso estabelece a Relação. Como o Mesmo começou pela rapina expansionista no Ocidente, o Diverso nasceu através da violência política e armada dos povos. Como o Mesmo se eleva no êxtase dos indivíduos, o Diverso se expande pelo elã das comunidades. Como o Outro é a tentação do Mesmo, o Todo é a exigência do Diverso. Não é possível nos tornarmos trinidadianos ou quebequenses, se nós não o formos; mais é, contudo, verdadeiro que se Trinidad ou Quebec não existissem como componentes aceitos do Diverso, faltaria algo à carne do mundo - e hoje nós conhecemos esta falta. Dito de outra forma, se era desejável que o Mesmo se revelasse na solitude do SER, permanece imperioso que o Diverso passe pela totalidade dos povos e das comunidades. O Mesmo é a diferença sublimada; o Diverso é a diferença consentida. Se não retivermos os aspectos fundamentais desta passagem (do Mesmo ao Diverso) que são a luta política, a sobrevida econômica, e se não contabilizarmos os episódios centrais (esmagamento dos povos, emigrações, deportações, talvez o mais grave dos avatares que é a assimilação), e se nos mantivermos em uma visão global, perceberemos que o Mesmo, imaginário do Ocidente, conheceu um enriquecimento progressivo, um estabelecimento harmonioso do mundo, como pôde "passar", sem ter que confessar, da ideia platônica à nave lunar. Os conflitos nacionais marcaram do interior o clã do Ocidente para uma única ambição, que era impor ao mundo como valor universal o conjunto de seus valores particulares. É assim que o slogan circunstanciado da burguesia francesa de 1789, "Liberdade, Igualdade, fraternidade", tendeu durante muito tempo a significar de maneira absoluta um dos fundamentos do humanismo universal. O mais belo sendo o que efetivamente ele significou. Foi ainda assim que o positivismo de Augusto Comte tornou-se realmente uma religião na América do Sul para uma elite "descentrada". O que se chama em toda parte a aceleração da história, que provem da saturação do mesmo, como de uma água que transborda de seu continente desbloqueou em toda parte a exigência do Diverso.

Esta aceleração, levada pelas lutas políticas, fez com que os povos que ainda ontem povoavam a face escondida da terra ( como houve durante muito tempo uma face escondida da lua) tiveram que nomear-se diante do mundo totalizado. Se não se nomeassem, amputariam o mundo de uma parte de si mesmo. Esta nomeação assume formas trágicas (guerra do Vietnam, esmagamento dos palestinos, massacres na África do Sul), mas passa também pelas expressões político-culturais salvamento dos contos tradicionais africanos, poemas engajados dos militantes, literatura oral (oralitura) do Haiti, consenso difícil dos intelectuais antilhanos, revolução tranquila no Quebec. (Sem contar os avatares insuportáveis: "impérios" africanos, "regimes" sul americanos, auto-genocídios na Ásia, dos quais poderíamos pensar que eles constituem o "negativo" - que não pode ser possuído - de um movimento planetário). Chamo de literatura nacional esta urgência para cada um de nomear-se diante do mundo, isto é, esta necessidade de não desaparecer da cena do mundo e de contribuir, ao contrário, à sua ampliação.

Consideremos a obra literária em seu alcance mais amplo; podemos convencionar que ela satisfaz a dois usos: existe função de dessacralização, de heresia, de análise intelectual, que consiste em desmontar as engrenagens de um sistema dado, em pôr a nu os mecanismos escondidos, em desmistificar. Mas existe também função de sacralização, função de agrupamento da comunidade em torno de seus mitos, de suas crenças, de seu imaginário ou de sua ideologia. Digamos, parodiando Hegel e seu discurso sobre o épico e a consciência comunitária, que a função de sacralização seria o fato de uma consciência coletiva ainda ingênua, e que a função de dessacralização é o fato de um pensamento politizado. O problema contemporâneo das literaturas nacionais, tais como as concebo aqui, é que elas devem aliar o mito à sua desmitificação, e a inocência primeira à inteligência adquirida. E que, por exemplo, no Quebec, as inquietações de Jacques Godbout são tão necessárias quanto os enlevamentos inspirados de Gaston Miron. É que estas literaturas não tiveram tempo de evoluir harmoniosamente, do lirismo coletivo de Homero ao dissecamento de Breckett. É necessário que assumam de uma só vez, o combate, o militantismo, o enraizamento, a lucidez, a desconfiança de si mesmo, o absoluto do amor, a forma da paisagem, o nu das cidades, as ultrapassagens e as fixações. É o que eu chamo de nossa irrupção na modernidade.

Contudo, uma outra passagem tem lugar hoje, contra a qual nós nada podemos. É a passagem do escrito ao oral. Eu não estaria longe de acreditar que o escrito é o vestígio (trace) universalizante do Mesmo, onde o oral seria o gesto organizado do Diverso. Existe hoje uma vingança de muitas sociedades orais que, do próprio fato de sua oralidade, isto é, de sua não-inscrição no campo da transcendência, suportaram, sem poder defender-se o assalto do Mesmo. Hoje o oral pode se preservar ou se transmitir, de povo a povo. Parece que o escrito poderia transformar-se cada vez mais à medida do arquivo e que a escritura estaria reservada à arte esotérica e alquimia de alguns. É o que se manifesta na proliferação poluente de obras de livraria, que não são o símbolo da escritura, mas a reserva sabiamente orientada da pseudo-informação.

O escritor não deve velar a face diante de tal constatação. Pois a única maneira, na minha opinião de preservar a função da escritura (se cabe fazê-lo), isto é, de separá-la de uma prática esotérica ou de uma banalização informativa, seria de irrigá-la com as fontes do oral. Se a escritura não for preservada das tentações transcendentais, por exemplo, inspirando-se nas práticas orais, teorizando-as se for o caso, acredito que ela desaparecerá como necessidade cultural das sociedades futuras. Como o Mesmo não será extinto nas vivacidades surpreendentes do Diverso, a escritura se fechará no universo fechado e sagrado do signo literário. Aí poderá realizar-se o sonho de Mallarmé, que também é o de Folch-Ribas, velho sonho do Mesmo, de abrir-se ao Livro (com um L maiúsculo). Mas não será o livro do mundo. Uma literatura nacional apresenta todas estas problemáticas. Ela deve significar a nomeação dos povos novos, o que chamamos seu enraizamento, e que é hoje sua luta.





Tradução: Normélia Parise, do livro Le discours antillais. Paris, Seuils, 1981.

Adeus Édouard Glissant, lutador antirracista e anticolonialista








O escritor caribenho Édouard Glissant ―um dos símbolos da cultura caribenha e criolla, escritor imprescindível para o pensamento e as letras americanas, morreu em Paris em 3 de fevereiro; ele tinha 82 anos de idade. Nascido na Martinica, Caribe francês, ele desenvolveu a teoria da “criollização” e em seus romances, poemas e ensaios abordou os temas da escravidão, racismo e colonialismo, questionando a identidade pós-colonial.

Foi autor de uma vasta obra poética e narrativa onde é notável seu interesse pela identidade antilhana, a condição pós colonial, a relação entre o espaço Caribe e sua história, as questões da linguagem, dos nexos entre o escravismo caribenho e o da América Latina, entre outros importantes temas. É sem dúvida um dos representantes vivos que simboliza uma geração de escritores caribenhos que repensaram o Caribe desde sua riqueza e diversidade cultural. 

Formado em etnologia pelo Museu do Homem de Paris e em Filosofia pela Universidade da Sorbonne, foi um defensor da solidariedade entre os povos e do respeito à diversidade. Participou dos círculos e fóruns literários e artístico do movimento negro de emancipação e, na década de 1950, participou dos movimentos de protesto da esquerda francesa. 

Suas reflexões apontaram como “o Caribe é uma realidade cultural” aberta “sempre a outras culturas”, reforçando a ideia de que “um negro Cuba, um branco de Guadalupe e um índio do Haiti participam da mesma identidade”, como escreveu o próprio Glissant. Esse espírito o levou a engendrar uma obra artística a cavaleiro entre o poético e o político, em que as imagens metafóricas e as lendas convivem com as reflexões teóricas. 

Ativo militante anticolonialista, ele apoiou a guerra pela independência da Argélia. Companheiro de Frantz Fanon, cujas ideias partilhou, em 1959 Glissant fundou, com com Paul Niger, a frente antilhana-guianense pela independência e por isso foi das Antilhas francesas e exilado na França metropolitana entre 1959 e 1965, ficou durante muito tempo em prisão domiciliar. 

Em 1958 seu romance La Lézarde recebeu o premio Renaudot, dando reconhecimento internacional a este intelectual revolucionário. Seu trabalho abriu o caminho para que outros escritores criollos desenvolvessem seus trabalhos, como Patrick Chamoiseau, vencedor do premio Goncourt em 1992. 

Ele voltou à Martinica em meados dos sessenta, e lá fundou o Instituto Martinicano de Estudos e a revista Acoma. Foi diretor da revista Correio da Unesco entre 1982 e 1988, do Centro de Estudos Franceses e Francófonos da Universidade da Luisiana e desde 1995 foi professor da Universidade da Cidade de Nova York ele foi uma das grandes vozes da literatura francesa criollizada.

O texto que apresentamos abaixo, retirado do livro Le discours antillais (O discurso antilhano, de 1981) dá uma amostra de sua visão política de um mundo baseado na diversidade dos povos e das culturas.

Deixou uma extensa bibliografia onde se destacam títulos como: Un champ d’îles, Les Indes, La Terre inquiete (1955), La Lézarde (1958, Prêmio Renaudot), Le sel noir (1960), Monsieur Toussaint (1961), Le Quatrième Siècle (1964), Le discours antillais (1981), La case du commandeur (1981), Poétique de la Relation (1990), Tout-Monde(1993), Traité du Tout-Monde (1997), Mahagony (1997), Malemort (1997), Sartorius... (1999), Le monde incréé (2000), Pays rêvé, pays reel (2000), Ormérod (2003), La cohée du lamentin (2004), Une Nouvelle région du monde. Esthétique 1, (2006).


Da Redação, com informações de La Ventana

Entrevista



http://www.dailymotion.com/video/x82txg_patrick-chamoiseau-edouard-glissant_news


Depuis une dizaine d’années, le refoulé colonial hante la société française. Loi de février 2005 évoquant, dans sa première mouture, les « aspects positifs » de la colonisation, discours présidentiel de Dakar sur l’homme africain « qui n’est pas entré dans l’Histoire », etc. Ce débat vous inquiète-t-il ? Pas outre mesure, parce que ce sont là les dernières lueurs de la bougie qui s’éteint. La pensée unique frappe partout où elle voit ou soupçonne de la diversité. Ce n’est pas pour rien qu’elle a frappé à Sarajevo ou à Beyrouth. La diversité terrifie. Au fond, le raciste, c’est qui ? Quelqu’un qui ne supporte pas le mélange.

La victoire de Barack Obama, en 2008, a été pour vous le symbole magnifique de cette « créolisation » du monde, cet entremêlement des cultures que vous annoncez depuis si longtemps. Mais que signifie une victoire dans un pays – les Etats-unis – où les communautés se juxtaposent plus qu’elles ne se mélangent ? 

Quand Obama s’est porté candidat, beaucoup de mes amis noirs américains étaient contre lui, parce qu’il n’était pas assez noir ! Ils ne se rendaient pas compte que le fait d’être métis ne l’empêchait pas d’être noir. De même que le fait d’être métis ne l’empêchait pas d’être blanc. Et qu’il fallait reconsidérer la question de la créolisation sous ces aspects-là. La victoire du président Obama a contribué à casser, symboliquement et réellement, le vieux couple noir-blanc, dont les rapports ont dominé l’histoire des Etats-Unis. Plus rien ne sera pareil désormais. Barack Obama est un prophète patient, dont on dit trop vite qu’il a échoué. 

Cette rencontre des cultures qui se mêlent, s’entrechoquent et produisent parfois des alliages géniaux comme le jazz ou la world music, ce grand mélange des langues, des peaux et des cultures que vous décrivez de livre en livre n’est-il pas un peu fantasmé ? Pas du tout. Ce n’est pas de l’angélisme. Quand je parle de créolisation, je ne pense pas que « tout le monde il est beau, tout le monde il est gentil ». La créolisation n’a pas de morale, pour une raison bien simple : nous sommes de plus en plus nombreux, désormais, à pouvoir décider seuls des règles de notre morale individuelle. Les religions nous les imposent de moins en moins souvent, (vous pouvez être catholique et utiliser le préservatif, contre l’avis du pape), et il faut travailler à ce que les Etats ne cèdent pas à la tentation de vouloir nous les imposer. Il y a une sorte d’individuation généralisée au monde.

Pas dans toutes les sociétés, loin de là…Evidemment. Mais la tendance générale va dans ce sens. La notion de différence est entrée dans la pensée mondiale. La diversité a pénétré l’inconscient du monde. C’est pourquoi, dans la créolisation, je peux changer en échangeant avec l’autre, sans me perdre, ni me dénaturer. Les pays qui n’accepteront pas cela prendront sans aucun doute beaucoup de retard.