quarta-feira, 26 de junho de 2013

CRIOULIZAÇÃO : INTERVALORIZAÇÃO DE ELEMENTOS




A Crioulização é um fenômeno identificado e explicado por Glissant, pode-se dizer que é “um movimento perpétuo de interpenetrabilidade cultural e linguística que não nos leva a uma definição do ser” (Glissant, 2005, p. 147). A construção deste conceito parte da análise da intolerância multiétnica, por este motivo o autor criticou o movimento da negritude, por portar a pretensão de definir o ser negro, e o contrapôs a definição de um ser crioulo, desfazendo a ideia de ser fechado.


Ponto relevante que Glissant estabelece para o desdobramento da crioulização é a essência de hierarquização entre os elementos de interpretação cultural. Segundo o autor,

No panorama atual do mundo, a questão capital é saber-se como ser um eu mesmo sem sufocar o outro, e como abrir-se ao outro sem asfixiar o eu mesmo.
 (Glissant, 1996)


São elementos que entram em contato intervalorizando-se, desenvolvendo uma intervalorização cultural no sentido de formar algo diferente. Entrar em contato com outras culturas, outras línguas, outras formas de pensar, sem que sua própria identidade seja perdida. A resposta que o autor dá a isso é a Poética da relação. 


Os elementos colocados em relação precisam se intervalorizar, se houver diminuição diante do contato corre-se o risco da crioulização não se efetivar, assim Glissant denunciou fragmentos de interpenetração cultural ou linguística que se constroem de forma injusta ao impor e sobrepor uma cultural ou língua, estabelecendo uma forma violenta de penetrar o outro.


Sua trajetória reflexiva sugere que as designações que acontecem pelo termo crioulização se afastam do conceito de mestiçagem que tem menos mérito por não trazer a imprevisibilidade. A imprevisibilidade que a crioulização provoca desestabiliza a pureza, porque agrega choques, rejeições, atrações entre elementos da cultura. É, segundo o autor, o fenômeno que estruturou as línguas crioulas, por serem elas o produto, e não a causa. De acordo com Glissant o crioulo é uma língua nascida do contato entre elementos linguísticos heterogêneos. Estes elementos propiciaram a formação de um linguajar que atendeu as demandas do trabalho nas ilhas do Caribe, que com o tempo consolidou como língua resultante do processo do imprevisível, já que os elementos que a constituíram são diversos. 


Através da crioulização o intercâmbio de experiências culturais ocorre de uma forma que abandona a ideia do ser fixo. Embora o autor desenvolva o conceito de crioulização em análise as vivências dos Martinicanos, ele afirma que se trata de um processo que pode acontecer em qualquer lugar, Glissant fala então de:


une conception sublime e mortelle que les peuples d‟Europe et les cultures occidentales ont vehiculée dans le monde, à savoir que toute identité est une racine unique et exclusive de l‟autre. Cette vue d‟identité s‟oppose à la notion “réelle”, dans ces cultures composites, de l‟identité comme facteur et comme résultat d‟une créolisation, de l‟identité non plus comme racine unique mais comme racine allant à la rencontre d‟autres racines.
 (GLISSANT, 1996, p. 23).




Ele defende um relacionamento intercultural de modo igualitário, logo, a crioulização não deve ser vista apenas como processo de glorificação de um povo. Toda a teoria que desenvolve o conceito de crioulização é baseada nos fluxos híbridos e transculturais vivenciados na realidade, fluxos que explodem fronteiras fixas e nações homogêneas. Neste processo, a relação com a terra torna-se uma questão-chave.


O autor adere a noção de culturas híbridas por esta certificar que o contato entre diferentes culturas origina novas identidades próprias e culturas locais. Esta concepção reconhece a influência entre diferentes povos, e coloca no mesmo plano as diversas manifestações de cultura rompendo com fronteiras estabelecidas. Neste sentido, surgem novas formas de identidade cultural, que já não podem mais ser consideradas como autênticas, nem ligadas a um único território.



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